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Crónicas da Valéria - Janeiro de 2018



De cabeça vazia

Até não muitos dias atrás, parecia que tinha secado até a última gota de inspiração, criatividade, ou até vontade para escrever o que quer que fosse. Parecia que o mundo girava sempre na mesma órbita, com as mesmas curvas e trajetos repetitivos; cansados e sinceramente, desinteressantes. A este fenómeno que acontece muitas vezes connosco próprios, gosto de chamar  “relógio sem horas”. É um simples relógio de parede, branco, vazio, apenas preenchido pelos míseros ponteiros que marcham para trás e para a frente num ciclo infindável e insubstancial. Torna-se uma mera rotina, mais mecânica que propriamente instintiva.  
E assim é o mês. Vamos em que dia? 84 de Janeiro de 2018? Anda lá. . . despacha-te. . . É neste cansaço intemporal e indefinido que adormecem as musas a uns escritores e acordam as musas a outros. A minha nem adormeceu, nem acordou, simplesmente não apareceu. Receava abrir o meu vazio caderno de páginas brancas, para me confrontar com um vazio mental ainda maior. Até que um dia, já à luz do pôr-do-sol, faltou a luz!.... De repente, todos os sons cessaram, e o único fulgor que ainda persistia era o do sol poente, bem longe no horizonte cor de vinho. Por outras palavras e,  se quiserem, mais simples, assisti a um apagão. E nesse momento, insurgiram à minha cabeça dezenas de ideias, palavras, imagens e conceções indefinidas, apenas desenhos triviais e cores soltas, pintando e constituindo, ao mesmo tempo, a própria vontade de criar. Foi como se fosse preciso desligarem todas as luzes da cidade (ou ao menos, parte dela) para se ligar uma pequena luz dentro de mim mesma. Que nem bem de luz se pode chamar.  . . . Foi mais como… diria,  uma pequena chama…  uma pequena chama que precisava de ser alimentada e amparada do vento.  
Assim que faltou eletricidade, todas as televisões se apagaram, a internet desapareceu sem deixar rasto, tal como qualquer outro sinal eletrónico. Estava eu a trabalhar, nessa noite, em que tanta gente ansiava assistir ao jogo de futebol nacional, quando soube que  acabaram por perder pela inconveniência vivida nessa mesma parte da cidade, apagada e deixada às escuras por duas horas numa noite de Janeiro. O que se passou a seguir deixou-me a pensar. Apagada a luz, desligada a máquina do café, avariado o forno da cozinha, escurecido o ecrã da televisão ...muitas pessoas simplesmente levantaram-se, entraram nos seus carros e desaparecerem na esquina mais próxima para não voltar mais. Outros, por sua vez, retiravam lanternas, luzes dos telemóveis, velas, pediam bebidas, e sentavam-se num canto iluminado para jogar às cartas. Outros contavam como teria sido o seu dia a um amigo ao balcão, outros saíam para fumar um cigarro e conversar. De repente, o ambiente mudou. E, foi nessas circunstâncias que assisti ao mais belo e simples dos convívios humanos. Entre desconhecidos ou colegas de trabalho, não havia sequer uma alma que não continuasse com um sorriso na cara. Almas despreocupadas com o facto de não estarem a ver o seu tão ansiado jogo de futebol na grande TV. A falta de comunicações despoletou melhores comunicações, se assim o posso dizer. E isso, de entre tudo o que me faz feliz, revelou ser a mais pura e genuína fonte de felicidade. Percebi que a beleza do humano está na sua compaixão, na sua capacidade de facilmente criar laços com outros e na sua capacidade de rir na cara das suas adversidades. Nessa noite percebi que, na realidade, não precisamos verdadeiramente de todos os luxos, desnecessários, que cada vez mais adquirimos atualmente para nos sentirmos verdadeiramente bem. O encanto do ser humano está em si mesmo, nas suas faculdades e no seu ser, físico ou mental. Cada vez percebo mais isso. E,  cada vez mais, percebo que as coisas mais simples e genuínas da vida são aquelas que constituem, deveras, a nossa vivência. Então,  e a partir deste momento, e por conseguinte, desapego-me da minha musa. Desapego-me da necessidade de criar coisas complexas e extravagantes, e aceito… a aceitar as mais íntegras ideias e sensações que realmente experiencio no meu dia-a-dia. 


Texto de Valéria Tabacaru  11ºC
Coordenação e revisão de texto: Prof Fernando Ildefonso

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