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Pela Escola

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Tenho mais de 30 anos de serviço docente (não sei exactamente quantos mais, não costumo contá-los) e continuo a gostar do que faço: não há nada parecido com vê-los pensar! Escolhi a escola por ser o sítio que conheço em que é possível mudar o mundo e já vi a escola mudar para melhor mas também para pior.
Vi melhorar as preocupações com a cidadania e a ética, com a diversidade, com o rigor, com o ...desenvolvimento de capacidades mais amplas que a simples memorização. (Não se enganem, sou das que sempre acharam que memorizar faz parte integrante e indispensável do processo mas numa perspectiva de que se trata de um trampolim e não da finalidade em si.) Porém, nestes últimos anos, vi a qualidade do ensino degradar-se na sequência da ganância de resultados e da ânsia de diminuir os números do desemprego mantendo alunos na escola, da preocupação com os traumas das crianças ou os (falsos) interesses de alguns pais e, finalmente, na vontade cega de poupar a qualquer custo. Por outro lado, vi a qualidade dos professores melhorar à medida que a escola foi deixando de ser o último recurso para quem não encontrava mais nada e que foram chegando mais professores com formação específica e, sobretudo, com vocação.
O que está a passar-se dói-me. Dói-me ver a tentativa de responsabilização dos professores pelo insucesso de uma sociedade que, à custa de se sentir merecedora de tudo, se tornou merecedora de nada. Dói-me ver políticos que se atraiçoam a si próprios e a tudo o que defenderam publicamente, ver gente que, cada vez mais, se divorcia do seu destino demitindo-se das escolhas que lhe são pedidas, ver miúdos sem perspectivas, perdidos num mundo em que não sabem qual é o seu lugar, ver destruir e desbaratar tudo o que de bom estava a ser construído numa sociedade em que, de repente, passaram a imperar o deve e o haver e em que a letra da ética passou a ser morta. Dói-me ver a escola morrer! Porque é de morte que se trata, só se podem encher chouriços depois do animal morto e encher chouriços é o que aí vem, se for para a frente o que parece perfilar-se. É possível ter 500 alunos? É, se não os ajudarmos a aprender mas nos limitarmos a debitar matéria, sem atender a ritmos e fazendo umas coisas (poucas, claro) para os avaliar, sem qualquer prurido face a possíveis injustiças (num país em que a justiça é um luxo nada mais adequado). É possível dispensar professores? É, se considerarmos que as bibliotecas não interessam, os apoios não interessam, os projectos não interessam, a qualidade não interessa e que, como só interessam os papéis, podemos, no final, fazer lindos relatórios e ficarmos todos contentes.
O problema da escola não são os professores, são os olhos com que a sociedade a olha: como um parque de estacionamento de crianças. (Já alguma vez ouviram uma entrevista a pais em que se perguntasse se estavam preocupadom com o facto de os filhos não terem aprendido nesse dia? Eu não, mas já ouvi perguntar muitas vezes “o que vai fazer com o seu filho hoje que não há escola”.) E se é este o paradigma, os alunos fazem o que se espera deles: estacionam! E mais, estacionam travados, é por isso que às vezes, e cada vez mais, parece que estamos a puxar um comboio travado. Destrave-se o comboio, “destrave-se” a economia (em Biologia é tudo uma questão de disponibilidade e gestão da energia mas, em Portugal, na energia já pouco se mexia), “destravem-se” as ideias de que é preciso corresponder àquilo que outras culturas que não a nossa consideram adequado, “destravem-se” os horários dos pais (e/ou mães) retirando o constrangimento de saber quem toma conta das crianças, abram-se as portas e mostre-se um mundo de possibilidades sem restringir à partida o que achamos ou não que cada um poderá fazer, deixemo-los crescer, escolher, envolver-se, encorajemo-los e destravar-se-ão os futuros que, de facto, se somam num FUTURO único que é de todos nós.
Se não fizermos nada extinguir-nos-emos, paciência, não tínhamos os genes apropriados!

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Texto da professora Guadalupe Soeiro

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